Anitápolis: Entre Vales e Montes
Anitápolis é um pequeno município encravado nas encostas da Serra Geral. Uma terra repleta de belezas naturais e com uma história de encher os olhos. Em 1907, por ordem do governo, foi contratado o desbravador Cícero Rodrigues Brasil. Um exímio conhecedor das matas catarinenses, ele foi responsável por abrir uma picada entre a região do Rio Novo até a sede do núcleo. Também ficou a encargo de Cícero e de seus homens a abertura e limpeza do local para implantação do núcleo e as primeiras construções.
No ano de 1911, começaram a chegar os primeiros imigrantes. Entre os fatores que impulsionaram o processo migratório, podemos destacar as dificuldades enfrentadas nas grandes cidades europeias, resultado da Revolução Industrial; o crescimento econômico do continente americano; as impactantes propagandas de incentivo ao imigrante; e, por fim, os fortes boatos e temores de uma possível guerra mundial, impulsionada pela prática neocolonialista.
Os imigrantes que vinham para o núcleo eram de várias partes da Europa, com predominância da Alemanha. Esses imigrantes chegavam de navio até o Rio de Janeiro, onde passavam alguns dias na Ilha das Flores, no entorno da Baía de Guanabara. Depois, seguiam em embarcações menores até a cidade de Florianópolis. Da capital de Santa Catarina, eram encaminhados em caravanas de carros de boi ou carretas puxadas por mulas. A viagem dos imigrantes durava em torno de quatro dias, da capital até o núcleo. No entanto, a viagem das bagagens durava um pouco mais, cerca de dez dias.
Os imigrantes que não possuíam familiares no núcleo eram acomodados em um barracão. Logo em seguida, os homens da família, juntamente com o chefe de povoamento, deslocavam-se até as comunidades para escolherem os terrenos. Cada família recebia 25 hectares de terra, a um custo de 265.000 réis, e uma casa no valor de 600.000 réis, que seria paga num prazo de oito anos. Além disso, os imigrantes recebiam ferramentas de trabalho, uma pistola e um facão. Suas contas no armazém eram pagas durante os primeiros seis meses e, mais tarde, as parcelas eram acrescidas em suas dívidas anteriores.
No ano de 1915, a tentativa de colonização da região começou a fracassar devido a dois fatores. Primeiramente, por causa dos conflitos com nativos da região, os chamados bugres, que mais tarde abordaremos em outro vídeo. O segundo fator foi a falta de conhecimento no cultivo das terras e o difícil acesso às regiões montanhosas. Grande parte desses imigrantes eram operários ou mineiros e desconheciam as técnicas de plantio e cultivo das terras. Por esse motivo, muitos imigrantes foram trabalhar nos municípios de Orleans e Criciúma, na construção civil e na mineração. Mais tarde, um outro grupo foi para a região de Ituporanga, onde encontrou uma área mais propícia para a prática da agricultura.
O Patronato Agrícola de Anitápolis
No ano de 1918, após o fracasso da colonização, o governo federal decidiu criar na região de Anitápolis o Patronato Agrícola. Os reais motivos dessa escolha são desconhecidos; talvez devido ao isolamento da região ou ao insucesso na permanência dos colonizadores. O patronato tinha como base curricular escolar o projeto de um Brasil moderno, voltado à ideologia do trabalho. Funcionava basicamente como uma escola reformatório para jovens infratores retirados das ruas, especialmente das ruas do Rio de Janeiro e de Florianópolis.
A primeira turma era composta por 200 jovens, entre 11 e 18 anos. Os internos viviam em um regime militar e não tinham para onde fugir, pois quase tudo ao seu redor era floresta. Apesar do difícil acesso à região, houve algumas fugas de jovens, que logo eram capturados com o auxílio dos colonos. O patronato, além do auxílio dos colonos, contava com uma equipe composta por um diretor, um médico, um dentista, vários feitores, professores, cozinheiros, um farmacêutico, guardas, conselheiros e vigias, que auxiliavam no dia a dia.
O primeiro diretor do patronato foi o Sr. Edgar da Cunha Carneiro. Logo após, seus sucessores foram Samuel Pontes Pereira, Jorge Benedito do Nascimento e Afonso Carneiro da Veiga. Os primeiros professores a lecionar no patronato e na escola em Anitápolis foram Dna. Sarita, Dna. Ernestina e Dna. Nila. O reformatório tinha um horário rígido para aulas teóricas, práticas e trabalho na agricultura. Tudo era regido ao som militar da corneta. O trabalho era duro, e todos aprendiam um ofício.
Um dos vários feitores do patronato, o Sr. Pergentino Muniz, acompanhava os adolescentes nas aulas práticas nas lavouras. Ainda nas aulas práticas, os jovens desenvolviam ações de escoteirismo, exercícios militares e eram treinados para resistirem a longos trajetos. Um bom exemplo foi citado no jornal “O Estado”, em 1922, que relatava que os rapazes do Patronato Agrícola de Anitápolis fizeram uma caminhada até a capital para participarem das festividades.
Apesar de toda a dificuldade enfrentada em sua implantação e com a chegada de alguns menores nos últimos anos, a educação no patronato tinha melhorado muito. Um de seus diretores chegou a abolir a cadeia, assim como os açoites, que eram práticas muito comuns na época. Os rapazes estavam contentes, recuperavam-se, aprendiam uma profissão, e muitos desses jovens, após o processo de reabilitação, constituíam família e permaneciam em Anitápolis. Jovens que atingissem a maioridade, tivessem concluído o curso do patronato com bom rendimento e fossem disciplinados recebiam um certificado de capacidade, firmado pelo diretor, que garantia igualdade de condições nos cargos de diversas dependências do Ministério. Além disso, os jovens que completassem o aprendizado de forma notável recebiam uma quantia em dinheiro de 200 contos de réis e mais um lote disponível no núcleo.
Outros jovens, se desejassem, poderiam continuar os estudos no patronato em Passa Quatro, em Minas Gerais, também conhecido como Patronato Campos Sales. Lá, poderiam se tornar feitores, engenheiros agrimensores ou seguir outras profissões de sua escolha. O Patronato de Anitápolis era um sucesso, e tudo funcionava muito bem até o ocorrido em 1930.
Com o conflito armado denominado “Combate da Garganta”, uma represália aos getulistas, e a tomada do poder em 1930, Anitápolis caiu no esquecimento. O Patronato Agrícola foi fechado e Anitápolis deixou de receber verbas até sua emancipação.
Créditos: Prof. José Carlos Borges